Kendô no Brasil – panorama da pesquisa e um breve histórico (Parte 1 de 2)
segunda-feira, 21 de julho de 2008

Este ano (2008), comemora-se o Centenário da Imigração Japonesa ao Brasil. Dentro das inúmeras atividades previstas para tal celebração, há o projeto para o lançamento de um livro com os registros acerca da história do kendô no Brasil. E o autor deste pequeno artigo é o responsável pela pesquisa sobre o tema.

O objetivo deste artigo, dividido em duas partes, é apresentar um breve panorama acerca da praticamente desconhecida história do kendô no Brasil, ao mesmo tempo em que pretende expor também algumas das dificuldades e desafios encontrados durante a pesquisa.

A primeira dificuldade é o próprio autor, que possui formação na área de Exatas, e não de Humanas. Seria uma digressão muito grande explicar por que uma pessoa com tal formação está conduzindo este trabalho, mas é importante assinalar que o método de levantamento e tratamento de informações faz com que o trabalho se torne mais semelhante a uma publicação de ciências exatas.

Quando foi que o kendô foi introduzido ao Brasil? Esta pergunta essencial já expôs diversas barreiras interessantes. A atual Confederação de Kendô do Brasil (CBK) não possui nenhuma publicação sobre o tema, e os materiais históricos que possui estão espalhados por diversas pessoas.

Analogamente, os registros presentes nos diversos museus, principalmente o Museu Histórico da Imigração Japonesa, estão distribuídos por diversos livros, revistas e jornais, obrigando a uma coleta paciente de dados.

É fundamental apontar que esta é a primeira vez que se planeja publicar um livro sobre a história do kendô no Brasil, cem anos após a chegada do Kasato Maru. E, devido ao tempo que se passou, muito do material foi perdido e surgiram grandes lacunas em termos históricos, que provavelmente nunca mais poderão ser preenchidas com precisão, infelizmente.

Entretanto, a chegada do kendô ao Brasil possui um registro bastante claro no “Imin Yonjûnenshi”, livro de Rocro Kowyama em comemoração aos 40 anos de imigração japonesa. De acordo com ele, Tokutaro Haga, imigrante do Kasato Maru, era instrutor de kendô da polícia da província de Ehime e detinha o grau de nidan (2º dan) pela Dai Nippon Butokukai.

Haga foi o único a trazer equipamento de kendô ao Brasil e pode ser considerado como o pioneiro do kendô no Brasil. Há também relatos sobre um pequeno torneio de kendô a bordo do Kasato Maru, no que pode ser considerado o primeiro campeonato de kendô dentro da imigração japonesa ao Brasil.

Curiosamente, o nome dele desaparece assim que chega ao Brasil. De acordo com seu filho, de 92 anos, Haga se tornou um doceiro e simplesmente não conseguia mais dedicar tempo à prática do kendô, por conta da quantidade de pedidos a que devia atender.

A partir de Haga, há um intervalo de quatorze anos até que surja uma nova menção ao kendô. O primeiro registro pós-Kasato Maru aparece em um jornal da colônia japonesa de 1922, em que aparece o termo “gekken shiai”, ou seja, lutas de kendô, realizadas por ocasião da comemoração do Tenchôsetsu, o Aniversário do Imperador. E, nas anotações de Haruka Yamashita, um dos nomes mais importantes do kendô no Brasil pós-guerra, consta que Midori Kobayashi, sandan (3º dan), participou dessas lutas.

O nome de Midori Kobayashi, bem como o da sua escola, Seishû Guijuku (Missão Japonesa no Brasil), é bem conhecido entre as pessoas da colônia japonesa que vivenciaram o pré-guerra no Brasil. Educador e pastor protestante, ele foi um dos grandes incentivadores do kendô antes da Segunda Guerra Mundial e foi quem abriu o primeiro dojo (academia) de kendô no Brasil, em 1928.

A partir de então, o kendô começou a se disseminar, principalmente na crescente colônia japonesa. As levas de imigrantes, que traziam também inúmeros praticantes da arte, trouxe um impulso ainda maior e, em 1933, por ocasião do 25º aniversário da imigração japonesa, foi fundada a Hakkoku Jûkendô Renmei, a Federação de Judô e Kendô do Brasil.

A Hakkoku Jûkendô Renmei foi a organização que englobou e incentivou não só o judô e kendô, mas todas as artes marciais tradicionais japonesas na colônia japonesa no Brasil até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, com o apoio do Consulado do Japão, da KKKK (Kaigai Kôgyô Kabushiki Kaisha, companhia de imigração) e da Sociedade Colonizadora Bratac, as três entidades mais poderosas e influentes da colônia na época.

É certo que o kendô foi praticado em inúmeros locais no Brasil antes da Segunda Guerra, mas infelizmente muito do material e informação foi perdido, dificultando o registro preciso do kendô da época. Além disso, a maioria das pessoas que viveu esse período já faleceu, impossibilitando a obtenção até mesmo de testemunhos e registros orais sobre a época.

Mesmo assim, há algum material que existe ainda hoje. Um exemplo é a revista “Butoku” (número 2), publicada pela Hakkoku Jûkendô Renmei em 1937. Ela contém uma lista de nomes de pessoas e locais filiadas à entidade na época, sendo um material inestimável atualmente em termos históricos.

A lista dos instrutores de kendô da época é muito extensa, mas certamente deve compreender os nomes de Eiji Kikuchi, 5º dan, e Sanae Itô, 5º dan. Além disso, pode-se citar os nomes de Yoshihiko Miyadera, 4º dan, Matsukichi Sasaki, 4º dan, Kenji Niwase, 4º dan, Eiji Sasaki Seirenshô, Hisayoshi Hayashi 4º dan, Shigeru Fujiwara, 4º dan e Matsumaro Sakurada, 3º dan, entre tantos outros. Todos foram pessoas que contribuíram de maneira extremamente relevante para o kendô no Brasil.

O principal evento de kendô era o Zenpaku Budô Taikai, o Campeonato Brasileiro de Budô, realizado anualmente por volta de agosto. Além deste, havia campeonatos regionais, seguindo geralmente o traçado das linhas férreas, bem como o chamado taryû-jiai, lutas entre duas academias diferentes de kendô.

A prática era feita em escolas e em centros comunitários. Em locais mais afastados, treinava-se em galpões e até mesmo em terreiros de café. A falta de infra-estrutura nunca foi motivo para desanimar.

Entretanto, o mundo passava por um momento bastante delicado e, a partir de meados da década de 1930, a comunidade japonesa no Brasil se viu em uma situação bastante conturbada. A restrição ao número de imigrantes, bem como a proibição ao ensino da língua japonesa causaram um choque bastante grande entre os japoneses no Brasil.

E, com a eclosão da Guerra do Pacífico, o Brasil e o Japão se viram em lados opostos, aumentando o controle e a repressão aos japoneses que viviam no Brasil. Por fim, em janeiro de 1942, o Brasil rompeu laços diplomáticos com os países do Eixo, incluindo o Japão, e alguns dias depois, o DEOPS (Departamento Especializado em Ordem Política e Social) dissolveu formalmente a Hakkoku Jûkendô Renmei, como parte das medidas adotadas contra a colônia japonesa.

Com isso, o kendô no Brasil teve um fim abrupto e a sua prática foi praticamente descontinuada durante a Guerra.

A próxima e última parte deste artigo pretende mostrar como o kendô no Brasil evoluiu após a Segunda Guerra Mundial.


Sobre o autor:

Luiz Kobayashi
Neto de japoneses, é Doutor em Engenharia pela Universidade de São Paulo. Atualmente, pesquisa a história do kendô no Brasil.